O contrato social e a preservação da empresa
A IMPORTÂNCIA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS PARA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Ao longo da minha trajetória profissional pude comprovar a importância do contrato das sociedades empresárias regular detalhadamente certas questões até para fins de preservação da empresa; uma destas questões, abordada ao final, é sobre a dissolução parcial, chamada no Código Civil de 2002 de resolução da sociedade em relação a um sócio.
A empresa independe, nos primeiros momentos, das disposições contidas no contrato social para seu crescimento, porém, com o passar do tempo todo o sucesso alcançado por ir por “água abaixo” quando, por falta de disposições contratuais claras, as divergências entre os sócios podem tornarem insuperáveis amigavelmente, levando a um caminho muitas vezes sem volta, o judiciário.
O que acontece na abertura do negócio? No momento da constituição de uma sociedade há uma convergência de interesses dos parceiros, tais como, faturar, obter lucro, aumentar o capital investido, mas, no futuro, podem surgir divergências no momento da repartição de eventuais perdas e até mesmo dos lucros.
É muito comum a constituição de uma sociedade, a limitada, por exemplo, entre amigos e/ou parentes. Como nesse tipo societário há, regra geral, um completo envolvimento da pessoa do cotista, a repartição dos sucessos ou dos insucessos do empreendimento deve levar em conta, além da cota-parte de cada um no capital social, o empenho pessoal na organização e na administração do negócio.
No início (na constituição) há um grande entusiasmo, mas, com o passar dos anos, afloram os interesses conflitantes; o sócio (e até seus familiares) começa a achar que os sucessos, a remuneração pelos cargos de direção, o uso dos bens e dos recursos humanos da sociedade, as mordomias etc. é desproporcional – em seu desfavor, é claro! – à sua dedicação e competência.
Para “administrar” esses interesses conflitantes, mais comuns nos pequenos empreendimentos, e evitar que o entusiasmo inicial se transforme, mais adiante, em “dor de cabeça” e até na interrupção do empreendimento, é indispensável disposições contratuais prevendo todas as situações possíveis a cada caso em particular, não deixando para cada sócio estabelecer individualmente o seu critério para mensurar, principalmente, as contribuições subjetivas.
Assim sendo, não é recomendável adotar, como disse antes, os modelos padrões, encontrados na internet, nos portais das Juntas Comerciais e de outras instituições.
No caso das regras sobre a remuneração pelo trabalho dos sócios (pró-labore) é comum encontrar nos contratos padrões a seguinte disposição: “Os sócios terão direito a uma retirada mensal a título de pró-labore cujo valor será fixado de comum acordo, obedecidos os limites legais da legislação do imposto de renda.”
O valor será fixado de comum acordo? E se houver desacordo sobre a matéria? Surge, então, uma “briga” entre os sócios. Dizer que serão obedecidos os limites legais do imposto de renda não ajuda em nada. Essa parte final é, todo ponto vista contábil e civil, algo sem sentido.
Outra cláusula padrão encontrada é a que dispõe sobre as contas e a distribuição dos resultados. Um exemplo de redação comum à maioria dos contratos: “No dia 31 de dezembro de cada ano, o administrador procederá ao levantamento do balanço patrimonial, de resultado econômico e, apurados os resultados do exercício, os lucros ou prejuízos serão distribuídos ou suportados pelos sócios, proporcionalmente às quotas do capital social que detiverem.”
Trata-se de uma cláusula genérica que também poderá levar a desacordos. Um sócio poderá querer capitalizar uma parte ou a totalidade do lucro e o outro poderá optar por distribuir a totalidade; esse é apenas um exemplo dentre tantas outras divergências que uma cláusula assim redigida poderá gerar.
Um contrato social, ainda que bem elaborado, não é garantia de preservação da sociedade até porque um instrumento contratual não é capaz de prever todas as situações que podem levar à resolução da sociedade, ainda que parcial.
Podem surgir desinteligências que tornem inviável a sociedade entre os atuais sócios, mas o contrato social pode e deve regular, por exemplo, de forma clara, a dissolução parcial com a saída de um ou alguns sócios (chamada no Código Civil de resolução da sociedade em relação a um sócio) de forma a preservar a empresa.
Os contratos sociais padrões dispõem sobre a matéria mais ou menos nos seguintes termos: “No caso da saída de um ou mais sócios, seja pela retirada, exclusão, impedimento ou falecimento, os seus haveres serão apurados e pagos segundo dispõe o Código Civil.”
Pois bem! Assim dispõe o Código Civil em seu artigo 1.031 e parágrafos, sobre a apuração de haveres:
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
Na parte que trata do direito de empresa e das sociedades encontramos no Código Civil as chamadas disposições “abertas” como é o caso do § 2º do artigo 1.031 que diz “salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário”.
No caso da dissolução parcial, se o contrato não estipular de forma contrária, o sócio remanescente terá que pagar a parte do retirante em noventa dias, o que pode inviabilizar a preservação ou a continuidade da empresa.
É de bom alvitre, portanto, que o contrato disponha de forma diferente, estabelecendo um prazo mais longo, o número de parcelas, a data para pagamento da primeira, o juro e correção das parcelas etc. etc.
O contrato pode estabelecer também outra forma de apurar o valor da quota do retirante, que não seja um balanço especial e até outra data que não seja a da resolução.
É recomendado também que contrato estabeleça as regras claras e detalhadas sobre o processo administrativo de exclusão de sócios, evitando o processo de exclusão judicial.
Outra recomendação é o regramento quanto a possibilidade do ingresso de herdeiros e meeiro no quadro societário no caso de falecimento de sócio.
Fico a disposição para esclarecimento de outros aspectos relacionados aos contratos sociais, especialmente das limitadas.
NELSON DOS SANTOS
Nelson Abrille dos Santos
Advogado
Fevereiro de 2020.