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A responsabilidade dos sócios na sociedade limitada

A regra geral: responsabilidade limitada

 

A responsabilidade dos sócios, regra geral, é limitada ao valor do quinhão do capital social com que se comprometeu no contrato social. Sócios e pessoa jurídica são sujeitos distintos e as obrigações desta não se podem imputar àqueles. Este limite, na sociedade limitada, é uma regra jurídica de estímulo às atividades econômicas. É condição necessária às atividades empresariais, no mundo capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos e inovações.

 

Os credores negociais (bancos, atacadistas, fornecedores etc.) de uma sociedade limitada devem calcular o risco que correm, sabendo que, em princípio, tem somente o patrimônio social por garantia. Quando uma instituição financeira abre crédito a uma limitada, e se, de sua análise, considerar o risco elevado adota medidas para se proteger, tais como, taxas de juros mais elevadas, exigência da coobrigação dos sócios (aval, fiança ou outro tipo de garantia). No mesmo sentido, os atacadistas e fornecedores, para evitar prejuízos com a responsabilidade limitada dos sócios, tomam medidas semelhantes e, ainda, ao compor seus preços, embutem neles uma taxa de risco. É uma forma de socialização de perdas ante a possibilidade de quebras empresariais.

 

Exceções à regra da responsabilidade limitada

 

A regra de limitação da responsabilidade dos sócios ao montante de suas quotas comporta exceções, ou seja, eles respondem pelas dívidas sociais com o seu patrimônio particular em casos excepcionais, a saber:

 

a)     Credores não negociais (fisco, previdência, empregados)

 

Os credores não negociais são aqueles que não dispõem de meios para formar seus preços, acrescendo-lhes as chamadas taxa de risco, tais como, o fisco, o INSS, os trabalhadores e os titulares do direito de indenização (inclusive o consumidor).

 

Dentre os mencionados credores não negociais, a legislação brasileira protege apenas o fisco (CTN, artigo 135, III) e a Seguridade Social (Lei 8.620 de 1993, artigo 13), ao considerar que os sócios da limitada são devedores solidários de débitos tributários e previdenciários.

 

No caso de débitos tributários, a lei atribui ao sócio gerente (sócio administrador no Código Civil em vigor) a condição de responsável pelas obrigações tributárias da limitada e, por isso, o fisco pode acionar diretamente referido sócio, independente da situação da sociedade. Quanto ao INSS a legislação responsabiliza os sócios (gerentes ou não) de forma solidária, o que possibilita o ingresso da execução fiscal diretamente contra os mesmos, independente da situação patrimonial da sociedade.

 

Os empregados e demais credores não negociais, não contam ainda com a proteção legal concedida ao Fisco e ao INSS, estando, por hora, sujeitos à regra geral, ou seja, a regra da limitação da responsabilidade dos sócios. É de ressaltar que, quanto aos empregados, a Justiça do Trabalho, para liquidar débitos trabalhistas de sociedades limitadas, tem executado o patrimônio de sócios, como se devedores solidários fossem, se constatada a prática de atos ilícitos.

 

b)    Capital não integralizado totalmente

 

Os sócios respondem pelo total do capital subscrito enquanto não totalmente integralizado na forma do Código Civil, artigo 1.052. Em outras palavras, o sócio responde pelo que já integralizou e pela soma (a sua parcela e as parcelas dos demais) que faltar a integralizar. Vejamos exemplo no quadro a seguir.

SÓCIOS

SUBSCRITO

INTEGRALIZADO

A INTEGRALIZAR

Antonio Silva

50.000

30.000

20.000

João Santos

30.000

20.000

10.000

Manoel Oliveira

20.000

20.000

0

TOTAIS

100.000

70.000

30.000

 

O montante que os credores podem cobrar dos sócios é 30.000 (a integralizar). Se o executado é Antonio ele paga os 30.000 e tem direito de regresso contra João no valor de 10.000. Se o executado é João ele paga 30.000, sendo 10.000 que devia, e regressivamente cobra 20.000 de Antônio. Se o executado é Manoel, ele será responsabilizado pelos 30.000, como direito de regresso contra Antonio (20.000) e João (10.000).

 

Qualquer credor, seja negocial, seja não negocial, beneficia-se dessa exceção à limitação da responsabilidade dos sócios.

 

Nas sociedades limitadas, ao contrário das sociedades anônimas, os sócios não são obrigados a exibir quando do registro na Junta Comercial, o comprovante das entradas depositadas em banco em nome da sociedade. No entanto, se comprovada a fraude, o que pode feito especialmente por perícia, que os sócios não contribuíram de fato com o valor formalmente referido como integralizado, eles responderão pela diferença.

 

Com relação a responsabilização pela falta de integralização do capital, somente depois de executados todos os bens da sociedade, o patrimônio particular do sócio poderá ser alcançado (Código Civil, artigo 1.024). Nenhum credor tem individualmente ação para promover a responsabilidade por falta de integralização do capital. O direito cabe unicamente à comunhão dos credores e tem por pressuposto a decretação da falência da sociedade.

 

c)     Responsabilidade por irregularidades

 

A limitação da responsabilidade dos sócios da limitada não pode ser utilizada como instrumento para a prática de atos irregulares.

 

As deliberações contrárias a dispositivos contratuais ou à legislação tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente (ou seja, por escrito) as aprovaram (Código Civil, artigo 1.080). Neste caso, o ato ilícito é manifesto, não se oculta. Exemplo: concessão de aval pela sociedade, quando proibido (como regra geral é) pelo contrato.

 

Existem, no entanto, atos irregulares que só se revelam se houver uma “quebra” judicial do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica (desconsideração da personalidade jurídica). Em outras palavras, ocorrendo a falência da sociedade empresária e constatada a prática de atos aparentemente legais (negócios entre sócios e a sociedade, constituição de uma nova empresa do mesmo ramo etc.) mas que geraram prejuízos a credores de qualquer natureza, o juiz, na apreciação do caso, poderá afastar o princípio da autonomia patrimonial entre sócios e a sociedade e, consequentemente, desconsiderar a regra geral da limitação da responsabilidade dos sócios.

 

A responsabilização por irregularidades não depende da prévia execução dos bens sociais. No caso de uma fiança, por exemplo, concedida ao arrepio de cláusula contratual, o credor pode executar o devedor principal (o afiançado), a sociedade limitada (a fiadora) ou os sócios que autorizam a fiança.

 

A pretensão contra os administradores, por atos violadores da lei ou do contrato, prescreve em 03 (três) anos contados da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido, ou da reunião, ou da assembleia que dela deva tomar conhecimento (Código Civil, artigo 206, § 3º, VII, b). Isso em relação à ação da sociedade contra o dirigente. No que se refere a terceiros prejudicados, o prazo será de dez anos (Código Civil, artigo 205). [i]

 

Outras responsabilidades de sócios e administradores

 

Aplica-se aos administradores e sócios das sociedades limitadas que adotarem como legislação de regência supletiva as normas das Sociedades Simples (S/S), a regra geral do “cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” (Código Civil, artigo 1.011). Além da responsabilidade solidária perante a sociedade e terceiros prejudicados, quando agirem com culpa funcional, os sócios e administradores responderão pelos seguintes atos e condutas, na forma do disposto no diploma civil brasileiro:

 

a)     Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, seja na constituição, seja para aumento do capital, respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de 5 (cinco) anos da data do registro da sociedade, ou da alteração contratual que formalizou o aumento (§ 1º do art. 1.055).

 

b)    Pela falta de prestação de contas justificadas aos sócios de sua administração e de apresentação do inventário e balanços anuais nos prazos previstos (artigo 1.020 c/c artigo 1.065).

 

c)     Se, no contrato da limitada, não houver previsão expressa da adoção da lei das sociedades anônimas como regência supletiva, a sua legislação de regência supletiva será a das Sociedades Simples (artigo 1.053 e seu parágrafo), e, neste caso, o cedente, na cessão total ou parcial de cotas, responde solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e a terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio, até 2 anos depois de averbada no registro de empresas a modificação contratual (artigo 1.003 e seu parágrafo).

 

d)    Na forma do art. 1.059, os sócios são obrigados a devolver à sociedade as quantias retiradas a qualquer título, bem como os lucros porventura recebidos, quando pagas ou distribuídas em prejuízo do capital social.

 

e)     Respondem solidariamente os administradores que autorizaram e os sócios que receberam lucros ilícitos ou fictícios, conhecendo ou devendo conhecer da ilegalidade (artigo 1.009).

 

f)     Responde por perdas e danos o sócio que participar de deliberação para aprovar, graças ao seu voto, operação de seu interesse e contrário ao da sociedade (artigo 1.010, § 3º).

 

g)    Responde pessoal e solidariamente o administrador nomeado em documento apartado, pelos atos que praticar antes de requerer a averbação do documento no registro próprio (artigo 1.012).

 

h)     Responde o administrador perante a sociedade por perdas e danos decorrentes de operações realizadas sabendo, ou devendo saber, que agia em desacordo com a maioria (§ 2º do artigo 1.013).

 

i)      Responde o administrador pelos atos praticados com infração do contrato se, no silêncio do contrato, puder praticar todos os atos relativos à gestão da sociedade (artigo 1.015).

 

j)      Por culpa ou dolo no desempenho da função, responde o administrador solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados (artigo 1.016).

 

k)     Responde o administrador pelos prejuízos, se ocorrerem, na aplicação de créditos ou bens sócios em proveito próprio ou de terceiros, sem o consentimento escrito dos sócios, além do pagamento ou restituição à sociedade do principal mais os lucros cessantes (artigo 1.017).

 

l)     Responde o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, participe da correspondente deliberação (artigo 1.017, parágrafo único).

 

Como se vê, o Código Civil de 2002 buscou, em resumo, cercear o uso da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos, em prejuízo da própria sociedade e de terceiros, propiciando maior segurança aos contratantes e aos negócios envolvidos.

 

O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: (I) se a limitação dos poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; (II) provando-se que era conhecida do terceiro; e (III) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (Código Civil, artigo 1015, parágrafo único e seus incisos).

 

 


[i] Campinho, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. – Rio de Janeiro : Renovar, 2002, p. 258.

 

Nelson dos Santos

Advogado